Pecadinhos da auditoria interna
26 setembro, 2017
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Como toda profissão, o auditor interno tem seus pecadinhos, para os quais ele deve estar atento.
Auditoria interna não é uma função simples. Como toda estrutura intermediária entre outras estruturas, sofre as agruras da mediação, as pressões por demandas que precisam ser equacionadas diante dos múltiplos riscos e ainda, agregar valor à gestão, gerar uma resultante.
E para se ter algum sucesso nessa função, por óbvio, são necessárias competências técnicas e outras de caráter comportamental, como a capacidade de se expressar, dialogar, ouvir (audire vem de ouvir) e ainda, de enxergar o que é mais relevante em um contexto.
O presente texto, despretensiosamente, traz dez pontos, pequenos pecadinhos, que se incorporados a prática de auditoria interna, podem trazer óbices, atrapalhando o sucesso de tão relevante função, relembrando as palavras sábias e ainda atuais do articulista Stephen Kanitz, na revista Veja em 1999; “Portanto, o Brasil não é um país corrupto. É apenas um país pouco auditado.”
Vamos aos pecadinhos:
1- Apresentar opinião que não esteja baseada em metodologia: O ofício de auditor interno não prevê tarefas como ser um guru, ou mesmo de cartomante ou comentarista de telejornal Opinião de auditor é um resumo qualificado do que revelaram os seus trabalhos de auditoria. Fugiu disso, é chute.
2– Recomendar uma solução estapafúrdia, inviável e que não mitigue os problemas detectados: Por óbvio que recomendar soluções é muito difícil, e para isso existe o diálogo, a pactuação, e as metodologias próprias. Não pode é se se livrar do problema com a proposição de uma solução inviável, descontextualizada da realidade. O bom auditor é medido pela articulação na construção de soluções, e não puramente por apontar problemas.
3- Ser alarmista, vendo “chifre na cabeça de cavalo”: Por ter acesso a muitas informações, e ser cobrado pelo aspecto preventivo (as vezes futurólogo), o auditor interno pode se converter no profeta do apocalipse. O auditor interno não pode ser um gerador de ambiguidades, e para evitar essa postura existem critérios de avaliação do que é prioridade, como a materialidade (valor financeiro), a criticidade (risco), a relevância (envolvimento com os objetivos) e a vulnerabilidade (maturidade dos controles).
4- Ser cabeça dura e aferrado a posições: A autoridade com humildade é uma característica rara, mas essencial para auditores internos. Pelo diálogo, o profissional deve ser capaz de reavaliar as suas posições diante de fatos novos, garantindo assim o respeito de seus interlocutores, mudando o que deve ser mudando e defendendo o que é relevante.
5- Focar no erro e não na solução: Como um caçador de recompensas, um Django moderno, é patológico quando o auditor interno persegue o erro como finalidade e não como meio de melhoria, oculto nesse desiderato, por vezes, um desejo de atacar pessoas, em vinganças pessoais ou na supervalorização do seu trabalho. Esquece o profissional que o seu ofício é avaliativo e propositivo, no qual o erro tem seu valor, sempre contextualizado em relação aos objetivos.
6- Concentrar-se em fatos e não em sistemas administrativos: Atuando nos sistemas de gestão, baseando-se em uma visão de riscos, agregando valor aos objetivos, o auditor interno se vacina das tentações da fofoca, do casuísmo, do abastecimento da rádio corredor, fugindo, ou tentando fugir, do jogo natural de forças endógenas a sua organização, garantindo, pela sua luta por isenção e independência, a credibilidade e a capacidade de interlocução.
7- Isolar-se da gestão, misturar-se a ela: Os extremos são ruins, em especial em uma função mediadora, que demanda um distanciamento efetivo, que permita a opinião independente que aprimora a gestão de forma efetiva, mas sem se comprometer com os processos decisórios. Gestor é gestor, auditor é auditor. Papéis diferentes e que se relacionam na construção da eficiência. Esse lócus precisa ser encontrado em cada unidade, em cada organização, com alto grau de customização.
8- Buscar um planejamento que não dê conta dos riscos: Naturalmente, em uma auditoria interna, os recursos humanos são sempre escassos frente as demandas, essas por vezes imprevisíveis. Se não racionalizar o seu planejamento a luz dos riscos de atingimento de objetivos, o auditor e a sua equipe tomarão seguidas goleadas, com “muita tosa e pouca lã”. Ter pouco recursos é uma realidade, utilizá-los bem é um dever.
9- Não ser claro em suas manifestações: Em mais esse pecadinho, tem-se que a opinião qualificada, com fins corretivos, é o produto principal do auditor interno. Se ela não for clara, conclusiva, específica, não será possível a recomendação que muda a realidade e fortalece os controles. Opiniões evasivas são desperdícios operacionais.
10- Agir apenas quando demandado: Auditor interno da autópsia, do “leite derramado”, da descrição pós e jornalística, agrega pouco a causa, gerando apenas custos de transação para um problema já materializado. A força da auditoria interna é o seu caráter preventivo, em especial por estar próxima a gestão.
Como se vê, esse breve receituário, essa bula papal de condutas pouco recomendadas, não é uma lista exaustiva ou absoluta, mas procura trazer reflexão sobre a prática dessa função, que tem como desafio angariar a adesão do gestor e a confiança dos reguladores externos, harmonizando essas interações para aprimorar a gestão, melhorando seus controles que permitam o atingimento dos objetivos e que deem conta dos riscos. Um desafio que demanda uma visão estratégica da atividade de auditoria interna, que habita faz mais de meio século em nosso país.
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Texto escrito por Marcus Vinicius de Azevedo Braga, Doutorando em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ (GPP/PPED/IE/UFRJ). |
* Nota: Texto oriundo da fala do autor no 46º FONAITec, Fórum dos Integrantes das Auditorias Internas do Ministério da Educação, realizado no período de 22 a 25 de maio de 2017, na cidade de São Bernardo do Campo/SP, no auditório da Universidade Federal do ABC.